Epigrafia Romana do Distrito de Castelo Branco

Saturday, November 12, 2005

4. Almaceda (Castelo Branco)


Ara em granito da região, recolhida nas proximidades da Ribeira do Muro, freguesia de Almaceda. Apesar do monumento estar completo, o campo epigráfico encontra-se gravado a pouca profundidade, talvez desgastado pela utilização dada à pedra. Encontra-se actualmente no Museu Nacional de Arqueologia.

Leitura: [S]EVERA / SAELGI F(ilia) / TUTELAE / V(otum) A(nimo) L(ibens) S(oluit)

Tradução: Severa, filha de Saelgo cumpriu de bom grado o voto feito a Tutela

Comentário: Quando em 1981 nos referimos pela primeira vez a esta inscrição, erradamente a interpretamos como dedicada a uma divindade supostamente indígena, Evera. Analises posteriores que efectuamos ao monumento, permitiu rectificar então a leitura anteriormente apresentada e que publicamos no jornal local “Reconquista”.
Estamos assim perante um novo culto à deusa Tutela, cujas características deverão ter sido com carácter geral ou benfazeja[1].
Sobre a onomástica aqui registada, Severa é o feminino de um cognome latino documentado na região.[2] Saelgi, genitivo de Saelgus, é pouco frequente na epigrafia desta zona[3].

Bibliografia: Joaquim Gonçalves Machás, Nos tempos em que já lá vão – Almaceda e outros nomes de lugares desta freguesia, “Estudos de Castelo Branco”, Vol. 24, Castelo Branco 1967, pp. 13-25
Manuel Leitão, Contributo para o estudo das divindades indígenas da Beira Baixa na época romana – Duas novas aras, “Trebaruna”, Vol. I, Castelo Branco 1981, pp. 51-58
Manuel Leitão, Ainda sobre a inscrição de Almaceda, in Semanário “Reconquista”, Castelo Branco 10.V.1985, p. 5
Manuel Leitão, Vestígios romanos do Concelho de Castelo Branco, “Trebaruna”, Vol. III, Castelo Branco 1994, p. 26
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[1] Júlio Mangas, Religiones Indígenas en Hispânia, in “Historia de España Antigua”, Tomo II, Hispânia romana, Madrid 1978, pp. 579-611
[2] Fernando Patrício Curado, Fragmento de ara de Aldeia de Santa Margarida, “Ficheiro Epigráfico”, Nº. 17, inscrição 78, Coimbra 1986.
[3] José Manuel Garcia, Epigrafia Lusitano-Romana do Meuseu Tavares Proença Júnior, Castelo Branco 1984, p.116. Corrige a leitura apresentada por João Ribeiro a uma inscrição funerária proveniente da Lousa. Turacia / Saelgi F(ilia) /Status Hi(c) / Est

Thursday, November 10, 2005

3. Alcains(Castelo Branco)


Fragmento de uma ara em granito recolhida em 1977 no local designado por Cabeço Pelado, a cerca de 3 km para norte da vila de Alcains.
Encontra-se actualmente no Museu Francisco Tavares Proença Júnior, em Castelo Branco.

Leitura: [...] /REVE / LANGANID(aeco) / V(otum) S(olvit) L(ibens)

Tradução: [...] cumpriu de bom grado o voto feito a Reve Langanidaeco

Comentário: Documenta-se assim mais um testemunho do culto a Reve Langanidaeco, o terceiro encontrado com este epíteto na região da Beira Interior[1].
É baseando-se nestes testemunhos que José Manuel Garcia[2] diz «poder apontar-se para um grupo de Lusitanos com esse nome e que viveria nas regiões de Alcains, Medelim e Proença-a-Velha». A nosso ver, não nos parece uma afirmação muito segura dado tratar-se de uma vasta região que abrangia o território de dois povos da Lusitânia, os Tapori e os Igaeditani[3]
Esta divindade aparece na região da Beira Baixa e desaparece numa ampla região do Centro de Portugal, surgindo de novo no Distrito de Vila Real com uma importante densidade da achados e que se estende até à província de Orense, em Espanha.[4]
Fidel Fita[5] identifica a divindade Reva como uma divindade aquática afirmando que “o deus Reva não só foi adorado próximo do rio Ponsul, em Idanha, como também junto do Minho na Galiza. Provam-no duas inscrições que expus no t. LVIII do BRAH, pp. 512-514, notando a sua relação com o rio Areva, que deu o nome aos Arevacos celtiberos e talvez aos Aravi, vizinhos dos Igeditanos”. Posteriormente outros investigadores partilharam da mesma ideia, ao identificarem a divindade Reva com uma divindade fluvial[6]. Contudo, um dos epítetos conhecido desta divindade, Larauco, liga-o a uma montanha que manteve até hoje esse nome, o monte Larouco[7]. Por outro lado, a oferta de um sacrifico a Reue, identificado num penedo no Cabeço das Fraguas (Sabugal, Guarda)[8], localizado também numa elevação montanhosa, permite-nos apontar para o facto de estarmos perante uma divindade não só relacionada com a água, mas também com a montanha.
Pela paleografia podemos datar este monumento do Sec. II d. C.

Bibliografia: José Manuel Garcia, Epigrafia Lusitano-Romana do Museu Tavares Proença Júnior, Castelo Branco 1984, p.69
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[1] As outras duas inscrições são provenientes de Medelim e Proença-a-Velha, ambos locais localizados no concelho de Idanha-a-Nova.
Rectus / Rufi f(ilius) / Reve/langa/nidaei/gui v(otum) s(oluit)
[Re]velanganitaeco / [es]t hostia deliganda / [L]ucanus Adiei f(ilius)
[2] José Manuel Garcia, Epigrafia Lusitano-Romana do Museu Tavares Proença Júnior, Castelo Branco 1984, p.69
[3] Jorge de Alarcão, Novas perspectivas sobre os Lusitanos (e outros mundos), “Revista de Arqueologia”, Volume 4, nº. 2, Lisboa 2001, pp. 293-349
[4] Juan Carlos Olivares Pedreño, Teonimos indigenas masculinos del ambito Lusitano-Galaico: un intento de sintesis, “Revista de Guimarães”, Volume Especial I, Guimarães 1999, pp. 277-296.
[5] Fidel Fita, Nuevas Inscripciones Romana y Visigoticas, “Boletín de la Real Academía de la Historia”, Vol. LXIV, 1914, pp. 304-313.
[6] Florentino López Cuevillas e Rui de Serpa Pinto, Estudos sobre a Edade do Ferro no Noroeste da Peninsula – A Relixión, “Arquivos do Seminário de Estudos Gelgos”, Vol. VI, p. 320;
José Maria Blázquez Martinez, Aportaciones al Estudio de las Religiones Primitivas de España, “Archivo Español de Arqueologia”, Vol. XXX, 1957, p. 64;
José Maria Blázquez Martinez, Religiones Primitivas de Hipania, Vol. I – Fuentes Literarias y Epigraficas, Roma, 1962, pp. 185-187;
José d’Encarnação, Divindades Indígenas sob o Domínio Romano em Portugal, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1975, pp. 267-268.
[7] A serra do Larouco fica situada na região de Trás-os-Montes, nas famosas Terras do Barroso, na fronteira entre Orense e Portugal.
[8]Marcelino Luís Pereira, A inscrição lusibérica do Cabeço das Fráguas ou Penedo da Moira: Benespêra, A - Guarda. "Munda", Coimbra, 19, Mai. 1990, p. 27-39

2. Enguias(Belmonte)


Ara de granito amarelado, de grão fino, identificada na Capela da Senhora da Estrela, Freguesia de Enguias, Concelho de Belmonte. Trata-se se um monumento dedicado ao deus romano Júpiter.

Leitura: IOVI. O(ptimo). M(aximo) / G(aius). IVLIVS / RVFINVS / G(aii). IVLI(i) / RVFI. F(ilius) / V(otum). S(olvit). A(nimo). L(ibens)

Tradução: Gaio Júlio Rufino, filho de Gaio Júlio Rufo, de boa mente cumpriu o voto a Júpiter Óptimo Máximo

Comentário: Pela existência dos “tria nomina” podemos constatar que o dedicante e seu pai poderão ser cidadãos romanos, ou mais provavelmente, indígenas romanizados.
Esta ara trata-se de mais um documento do culto a Júpiter na zona da Lusitânia romana. Que como diz Luís Plácido, “trata-se de um culto nacional, de apego a Roma, ao qual aderem pessoas de todas as classes”.

Bibliografia: Luís Plácido, Ara inédita a Júpiter Óptiomo Máximo, "Conimbriga", Vol. XVII, Coimbra 1978, pp. 55-58

Wednesday, November 09, 2005

1. Belmonte(Belmonte)


Cipo de granito em bom estado de conservação. A sua descoberta remonta aos finais do séc. XIX, tendo dado entrada no Museu Francisco Tavares Proença Júnior de Castelo Branco, em 1910.

Leitura: Proculo. Silvani / f(ilio). Procula. filia/patri. (hedera)

Tradução: Ao pai, Próculo, filho de Silvano. Prócula, sua filha (dedicou este monumento)

Comentário: De destacar o notivo decorativo, um ramo estilizado, gravado no fim da inscrição. Sobre os nomes registados, todos eles latinos, podem demonstrar estarmos perante um estrado de indígenas fortemente romanizados.

Bibliografia: Francisco Tavares Proença Júnior, Inscrições Inéditas, "O Archeologo Português", Vol. XV, Lisboa 1910, pp. 39-54
José Manuel Garcia, Epigrafia Lusitano-Romana do Museu Tavares Proença Júnior, Castelo Branco 1984, pp. 93